O desafio de escrever bem

31 jul

Texto: Rafael Ciscati (2˚ ano – ECA-USP)

Um dos fundadores da revista Veja, Paulo Totti ainda lembra que a redação comandada por Mino Carta costumava ter um dos melhores textos da imprensa brasileira. Ao ver um repórter batendo à maquina, se Mino não percebesse papel espalhado pelo chão, a receita era sempre a mesma: “Reescreva”. Veterano, Totti ainda concorda: “Dificilmente você vai ter a sorte de acertar de primeira”.  Boa leitura, esforço e uma pitada de talento, diz ele, são essenciais para aquele jornalista que quer escrever bem. Mas nada, em absoluto, substitui o fator mais importante para uma boa reportagem: a apuração cuidadosa – “Nem o melhor texto esconde uma apuração capenga”, sentencia.

Para Totti, jornalista é aquele capaz de democratizar a informação. Isso, muitas vezes, significa traduzir em termos simples idéias complexas.  É só então que o repórter mostra saber sobre o que está escrevendo. E só assim será capaz de compor algo atraente ao leitor: “Você não precisa mais se preocupar em saber se tem acento em joia ou tipoia, tem um programa que faz isso por você”. A preocupação deve estar em ser claro, e atentar para detalhes.

Um cinzeiro à porta de um hotel

Os 55 anos de experiência de Totti lhe ensinaram a importância dos detalhes. E foi ao sair para fumar, à porta de um hotel na China, que ele descobriu como iniciaria sua série de reportagens sobre o país.  Viu um cinzeiro com traços delicados, traduzindo toda a paciência oriental, mas produzido industrialmente.  O detalhe não era gratuito e, nas mãos de Paulo, serviu para explicar os rumos da China atual. O mesmo vale para qualquer matéria. É importante ser bom observador, para não ater-se a declarações: “Não basta dizer que os moradores da favela Pantanal ficaram 23 dias embaixo de água. Você tem de dizer como era a vida dessas pessoas”, ensina. Isso envolve o leitor e confere credibilidade ao jornalista, que realmente “esteve lá”. Mas o detalhe não pode ser supérfluo.

Outra coisa a ser feita é não tratar o leitor como tolo. É verdade que o texto tem de explicar aquilo de que trata, mas não deve nivelar por baixo. É desnecessário explicar termos técnicos repetidas vezes em uma mesma reportagem. E, dependendo de para quem você escreve, termos conhecidos (como Selic,por exemplo) sequer precisam ser explicados. Além disso, a importância do detalhe não pode suplantar a importância da seleção – bom jornalista é aquele que sabe hierarquizar o que apurou, em vez de publicar tudo.

Redações cada vez menores, diversas pautas para cobrir em um único dia, a reportagem brigando com o espaço para publicidade – tudo isso parece opor-se aos preceitos de Totti, para quem um bom texto, inevitavelmente, será mais longo.  Mas ele acredita que o jornalista, apesar das dificuldades, deve ser insistente: “Faz parte da nossa profissão”, define.

Recém saído da palestra de Ricardo Noblat, sobre jornalismo online, Paulo diz sentir-se desconfortável com essa história de que o jornal impresso tem os dias contados: “Grande parte de vocês deve estar convencida de que agora é só internet. Mas eu ainda sou apaixonado pelo jornalismo impresso”. Lembra que a televisão não matou o cinema, o CD não acabou com o vinil, e acredita que a internet não vai pôr fim ao jornal: “Me recuso a pensar que a catedral da internet será construída sobre o túmulo do jornalismo impresso”. A julgar pelo grande número de pessoas que pararam para ouvi-lo, uma coisa é certa – qualquer que seja a plataforma, no impresso ou na internet, escrever bem continuará sendo um desafio necessário.

Na estante

Totti aproveita para fazer sua lista de títulos imprescindíveis:

– Casa Grande e Senzala – Gilberto Freyre. “Para conhecer o Brasil”

– Raízes do Brasil – Sérgio Buarque de Holanda. “Escreve com leveza e cuidado”

– Formação Econômica do Brasil – Celso Furtado. “Esquecido, porém essencial”

Clique no nome da palestra para fazer o download da apresentação, e no nome do(s) palestrante(s) para visualizar o(s) currículo(s):

Como melhorar o texto jornalístico

Paulo Totti – paulo.totti@valor.com.br

O 5º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi, com o patrocínio de Claro e Tetrapak, o apoio do Centro Cultural da Espanha em São Paulo, do Knight Center for Journalism in the Americas, do Open Society Institute, da Ogilvy, do Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo e a parceria do Fórum de Acesso a Informações Públicas, do Centre for Investigative Journalism , da UNESCO e da OBORÉ.

Deixe um comentário